Lírica de Camões – sonetos
Eu cantarei de amor tão docemente,
por uns termos em si tão concertados,
que dois mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.
Farei que Amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras,...
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Lírica de Camões – sonetos
Eu cantarei de amor tão docemente,
por uns termos em si tão concertados,
que dois mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.
Farei que Amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros magoados,
temerosa ousadia, e pena ausente.
Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa
contentar-me-ei dizendo a menor parte.
Porém para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho, e arte.
Um mover de olhos, brando e piedoso,
sem ver de quê; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;
um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravíssimo e modesto;
uma pura bondade, manifesto
indício da alma, limpo e gracioso;
um encolhido ousar; uma brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento:
esta foi a celeste formosura
da minha Circe, e o mágico veneno
que pôde transformar meu pensamento.
Cara
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